Neylson morava em São Paulo. Descendente de imigrantes japoneses que haviam chegado ao Porto de Santos em 1908, na grande vaga de emigração acordada entre os governos do Brasil e do Japão, aspirava conhecer a terra de origem dos seus antepassados. Ele havia estudado Japonês e a História do Japão, mas isso só não bastava. Ele queria sentir seus pés caminhando na mesma terra que seus ancestrais haviam pisado, ver e tocar no mundo que lhe parecia tão mítico e distante, mas que afinal estava apenas do outro lado do planeta.
Então junto do Consulado Japonês em São Paulo conseguiu uma vaga para professor de Português em Tóquio. A concretização dum sonho antigo. A recompensa de muita dedicação e trabalho esforçado. A persistência compensa.
Num virar de página Neylson se vê leccionando Português numa das mais prestigiadas universidades de Tóquio. Entre os seus alunos um se destaca pelo empenho com que tenta se aperfeiçoar numa língua tão diferente; Takedo o seu nome.
Takedo ouvira falar que os portugueses foram os primeiros europeus a chegar ao Japão e, querendo tanto viajar pela europa que melhor maneira para começar senão por um dos seus extremos; esse país pequeno mas que parecia tão grande na vontade de conhecer o mundo, tal como ele.
Entre Neylson e Takedo depressa se estabeleceu uma amizade baseada no reconhecimento mútuo de conhecer mais do mundo que aquilo que se apresentava perante eles no seu quotidiano rotinado. Neylson lhe ensinou tudo que sabia sobre as culturas ocidentais e a sua história. Takedo acabou por se formar com distinção, o que lhe possibilitou uma fácil primazia ao concorrer para uma vaga de secretariado na Embaixada do Japão em Lisboa.
E foi com orgulho mútuo que Neylson e Takedo se despediram no aeroporto, com a anuência do mestre aos pedidos insistentes do seu pupilo, para que o fosse visitar em Lisboa. Seria uma recompensa simbólica pelo desvelo com que o seu mestre se palicara na sua formação. Esta colocação tão dignificante era uma vitória de ambos.
Instalado já em Lisboa e inteirado das suas funções de redactor da correspondência mantida entre a Embaixada Japonesa e o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Takedo assumiu ritualística e respeitosamente o seu ilustre cargo. Ele se esmerava na revisão de todas as missivas, nenhum erro seria permitido; enfim a habitual minúcia nipónica e a sua índole perfeccionista.
Dias depois da sua estreia houve uma recepção informal na Embaixada, para a qual haviam sido convidados tanto Takedo como o seu homólogo no MNE de Portugal. Enfim os dois colegas de função iam se conhecer pessoalmente. Isso deixava Takedo entusiasmado pois ansiava por fazer amizades locais e, assim poder se integrar melhor na sua nova cidade anfitriã.
Para sua alegria o seu homólogo era um jovem português também recentemente formado, Jorge era o seu nome. Desde logo o diálogo foi fácil e amistoso. Mas tão amistoso como aterrador... Com discrição Jorge conduziu Takedo até um canto isolado do burburinho de conversas e risadas discretas e, numa voz mais sussurrada que audível o português disse: «Meu caro, gostaria de alertá-lo para o facto de que todas as missívas por si revistas estão cheias de erros ortográficos. Pelo que percebi você está a usar a ortografia brasileira e ela não é reconhecida aqui em Portugal.»
Takedo ficou lívido de vergonha, por si e pelo seu mestre.
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2 comentários:
Nossa, se isso acontecesse mesmo, seria uma cagada. Mas já deve ter acontecido. :P
Ainda continuo batendo o pé pelo acordo ortográfico, fato. Ambos os países (Brasil e Portugal) devem preservar a língua, é um tesouro! Já não basta a padronização do inglês pelo mundo! Mas é a vida, é a tal globalização.
E sim, minha mesquinhez é evidente. :P
Adorei o texto, ManDrag! Parabéns!
amei o texto
e com certeza deve ser baseado em fatos reais né?
hahahahahahahaha
beijão
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