segunda-feira, 21 de abril de 2008

EMAIL MISSIONÁRIO

A internet abriu o mundo a toda gente. Deu voz a todos. E direito a todos terem opinião sobre tudo, com ou sem conhecimento de causa. A democratização da basófia e a ascenção da imbecilidade; muitas vezes duma ignorância malévola e perigosa.

Com a internet chegou o email e toda gente descobriu que afinal podia corresponder-se com todo mundo. E difundir livremente as suas ideias, muitas das vezes toscas e desinformadas.
Mas ao invés do que outrora se fazia com o correio, dar notícias pessoais, agora este novo correio-electrónico serve para despejar sobre os outros todo o tipo de informação e desinformação; tanto boa como indesejável. Criou-se então o correio em cadeia. E todos se converteram em modernos missionários de causas por si próprios eleitas como nobres e humanitárias.
E daí temos as nossas inbox atafulhadas de circulares e alertas que não pedimos, não desejamos e de modo nenhum queríamos receber. Não é por ter o meu espaço íntimo invadido por imagens de crianças subnutridas em agonia mortal (algumas perversamente legendadas por orações de agradecimento pelos alimentos que temos nos nossos quotidianos abastados da nossa civilização ocidental) que vou acabar com a fome no mundo. Não é por me impressionar com os horrores das guerras, testemunhados com imagens pervertidamente voyeuristas de mutilaçoes e cadáveres em decomposição abandonados nos campos de combate, que todas essas guerras estúpidas irão terminar. Não é por me enojar com as imagens de animais agonizantes em supostos laboratórios de pesquisas de produtos farmacológicos ou cosméticos, que irei saber fazer melhor escolhas no supermercado (pois essas imagens só referem uma marca de produtos entre inúmeras). E mais exemplos haveriam...


Este novo missionarismo electrónico é uma praga perniciosa, porque destituida de ética. Todos se arvoram o estatuto de profetas da Justiça e se arrogam o soberano direito de impingir indescriminadamente aquilo que entendem ser a mais Sublime Verdade. Como se assim pusessem termo a todos os males do mundo. No momento de fazerem click sobre a palavra «enviar» sentem-se os Salvadores do Mundo.

Vamos parar um pouco e reflectir. Será que o receptor das minhas mensagens quer mesmo ver-se envolvido nas questões que elas abordam? Será que o receptor das minhas mensagens irá ter delas a leitura que eu pretendo e agirá do modo mais conveniente? E acima de tudo... Será que o receptor das minhas mensagens estará emocionalmente preparado para as receber???!
Só porque determinada situação é pungente e premente para nós, isso não quer dizer que os outros estejam preparados para fazerem os mesmos juizos que nós.

E ainda há a cínica expressão, sublinarmente acusatória, que usualmente remata esses textos, evangélicos no seu pseudo-missionarismo: «Eu fiz a minha parte!»
Mas que coisa mais perversa. Não é só duma insolência ordinária como de uma arrogância escatológica.

1 comentário:

São disse...

O texto é um pouco duro, mas põe o dedo na ferida.
Boa noite.